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  • Foto do escritorGUIA MIRAI

DIA NACIONAL DO FUTEBOL: ESPORTE ENCENA DRAMAS E ALEGRIAS DO POVO BRASILEIRO


(Pelé é o ícone máximo do futebol brasileiro — Foto: Reprodução/Twitter @Pelé



É impossível falar da formação da identidade brasileira sem colocar o futebol, esporte mais popular do país, como um dos fatores que definem as relações sociais em um país completamente envolvido com o esporte e tudo que nele habita. O futebol deu ao brasileiro o direito de sonhar com a glória. Se o gol é o ápice, o maravilhoso instante do futebol, também é a inexplicável alegria de um povo que, muitas e tantas vezes, só pode vencer às quartas e aos domingos.


Nesta quarta-feira, 19 de junho, é celebrado o Dia Nacional do Futebol. A data foi escolhida pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD) – atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF) – em 1976 como forma de homenagear o esporte bretão e o time mais antigo do país em atividade, o Sport Club Rio Grande, do Rio Grande do Sul, fundado em 1900, apenas seis anos depois de Charles Miller (1874-1953) chegar ao Brasil, após uma temporada de estudos na Inglaterra, com um par de bolas e o livro das regras do jogo.


O futebol mobiliza pessoas dos mais diferentes tipos e origens. Pobres e ricos, crentes e ateus, pretos e brancos: não será exagero dizer que milhões e milhões de brasileiros e brasileiras também preenchem suas vidas a partir da relação que têm com seu clube do coração. Cláudio Paixão é doutor em psicologia social pela Universidade de São Paulo e professor da Escola de Ciência da Informação da UFMG. Ele pesquisa questões ligadas ao comportamento das pessoas diante da informação.


O futebol, segundo Paixão, é um lugar em que o indivíduo projeta suas faltas, lacunas e desejos. “Quando vejo alguém jogando bola e ascendendo, imagino que posso fazer o mesmo. Durante aquele tempo fora da realidade, esquecemos as misérias, e as alegrias são potencializadas. Quando acontece o gol, você libera sua raiva, a raiva que sente do patrão, da esposa, do marido, dos garotos que fazem bullying com você”, ele afirma.


Nas ruas, nos campos e nas arquibancadas, a bola também rola para além do jogo e traduz as contradições de uma sociedade que tem o futebol impregnado em seu imaginário popular. O esporte mais popular do planeta gera místicas e une as pessoas com palavras de ordem, gestos, expressões.


Para Cláudio Paixão, é impossível desprezar o aspecto coletivo e de pertencimento que caracteriza o futebol, que acaba por inventar outra realidade para que milhões de torcedores consigam escapar das mazelas do dia a dia por meio de um esporte que nasceu nas elites brasileiras e, ao longo do século XX, virou uma atividade de massa e foi incorporada pelas camadas mais pobres.


“Justamente por ser popular, permitiu que as pessoas criassem laços e construíssem outras vidas, uma vida paralela. Quando estou junto a você, me sinto apoiado. Se são quatro, cinco, seis pessoas, e por aí vai, essa energia de grupo vai potencializando e diluindo a responsabilidade pelos atos, tanto para coisas boas quanto para as ruins. O futebol tem essa mágica. Somos uma população eminentemente violentada, para a ralé sobra o futebol. Sociologicamente falando, é uma coisa muito forte”, avalia o psicólogo.


Outro ponto fundamental levantado por Cláudio Paixão é o processo de identificação – do outro e de si mesmo – inerente ao fato de torcer, o que nos leva a pertencer a um grupo social que compartilha a mesma paixão por uma camisa. Muitas vezes, as pessoas não se destacam na vida ordinária dos dias úteis, mas na torcida elas ganham outras identidades. O futebol, com todo seu apelo emocional e dramático, favorece e estimula situações que fogem do racional, salienta o professor. Por isso, ele não se espanta que torcedores vendam apartamentos ou larguem seus empregos para ver uma final de seus times em outro país.


“Há um processo de identificação, todos nós passamos por isso em algum momento da vida – pode ser por uma religião, por uma banda de rock, por um partido político, por um time de futebol. A pessoa constrói parte de sua imagem tendo isso como referência”, explica Cláudio Paixão. “Uma pessoa não faz isso pelo time, mas porque estabelece uma relação e se identifica com algo que, de alguma forma, ela vê como única alternativa”, completa.


Loucuras de torcedores

“Em 2017, quando o Cruzeiro foi para a final da Copa do Brasil, falei que eu queria ir ao jogo de qualquer jeito no Maracanã, contra o Flamengo. Eu e uma amiga fechamos com uma caravana de uma torcida organizada, mas a gente não conhecia ninguém. Saímos no dia do jogo, feriado de 7 de Setembro, mas quando chegamos perto de Carandaí não pudemos seguir viagem, o ônibus estava cheio de irregularidades. A polícia deixou a gente ir com o ônibus até a parada mais próxima, onde ficamos resolvendo o que íamos fazer, mas era feriado, tudo muito difícil. Os meninos da torcida conseguiram uma van, mas cabiam apenas 20 pessoas… E a gente não conhecia ninguém. Minha amiga e eu já estávamos chorando, mas estávamos naquela de ‘vamos para o Rio de qualquer jeito’. Atravessamos a estrada para tentar pegar carona com outros dois cruzeirenses. Ficamos ali um tempão tentando parar carro, caminhão, até que um ônibus com destino a Barbacena parou e seguimos viagem. De lá, pegaríamos outro ônibus para o Rio. Depois descobrimos que só tinha ônibus para muito tarde – chegaríamos às nove e pouco da noite na rodoviária do Rio, e o jogo começava às 21h30, não ia dar tempo. Então, de Barbacena, pegamos um ônibus para Juiz de Fora, onde íamos decidir os próximos passos. Lá, conseguimos um Uber, mas o motorista desistiu quando soube que íamos para o jogo. Tentamos corrida com taxistas, teve um que nos cobrou R$ 900. Não dava! Comecei a chorar. Fomos a outro estacionamento de taxistas, contamos a história, e um aceitou nos levar por R$ 400. Esse moço correu tanto, mas tanto, que chegamos ao Maracanã na hora da execução do hino nacional. Se tivéssemos ido com a caravana, só entraríamos no segundo tempo. Empatamos no Rio em 1 a 1 e, aqui, no Mineirão, conquistamos o título nos pênaltis; foi uma loucura, mas deu certo no final, e eu faria tudo de novo. O importante é ver o Cruzeiro jogar, não importa onde for.” Emanuelle Cristina Silveira dos Santos, 30, contadora .


“A maior loucura que fiz pelo Galo foi comprar um apartamento em frente à Arena MRV antes mesmo de o estádio ser construído. Visitei o empreendimento em um sábado de junho de 2021, dei uma olhada, peguei todas as minhas economias, Fundo de Garantia, ‘rapei’ minha conta inteira e na segunda-feira eu já estava na agência da Caixa Econômica Federal fechando negócio e dando entrada no imóvel. Gastei R$ 240 mil. O imóvel estava na planta e vou me mudar de Venda Nova para o bairro Camargos, em Contagem. Minha noiva mora na Califórnia (bairro próximo ao estádio), mas fui para a região por causa do estádio, mesmo. Ela só ficou sabendo da compra do apartamento depois, eu não pretendia morar no Camargos. Nunca pensei em fazer isso, só mesmo a paixão pelo Galo. Não tenho nenhum arrependimento, faria tudo de novo, pagaria até o dobro. Quando o Galo perde, dá vontade de vender apartamento, rasgar camisa, cancelar sócio-torcedor, mas no fim das cortinas não tem jeito, a paixão fala mais alto. É só na hora da raiva. A única condição para eu fechar o contrato era que o apartamento fosse em frente ao estádio e no andar mais alto disponível – o único apartamento que tinha era no 12º. Minha família falou que eu era doido, maluco, mas é meu sonho, era tudo que eu queria, estou muito feliz. Vou ficar perto do Galo, e agora é só atravessar a rua para ver os jogos.” Thales Lombardi, 31, analista de sistemas


“No início da pandemia, os jogos não tinham público, e a torcida americana, principalmente nos jogos contra Corinthians, Internacional e Palmeiras pela Copa do Brasil de 2020, resolveu fazer ‘rua de fogo’ para poder passar algum tipo de energia para os jogadores. Íamos de máscara, paramentados, para manter o distanciamento social, que era necessário, mas ao mesmo tempo fazer algum movimento para empolgar o time. Foi muito emocionante, principalmente para mim, porque meu pai tinha falecido de Covid alguns meses antes. O time passava de fase e era uma emoção, mas também uma coisa contraditória, porque eu estava em um lugar que não deveria estar, sabia que estava fazendo algo errado. Não tinha nem vacina ainda. Eu tinha que ficar em casa, mas também queria estar lá. O jogo contra o Inter (novembro de 2020) me emociona só de lembrar. Depois da classificação nos pênaltis, a rua Pitangui inteira virou uma bagunça, tinha gente caída na poça d’água, pulando um em cima do outro. Não tinha como manter nenhum distanciamento naquela situação. Morri de medo de pegar Covid, eu sabia que era um risco, mas eu fiz. Não me arrependo, se pudesse voltar no tempo tomaria a mesma decisão. Eu sei que nós nos expusemos ao risco, mas a emoção daquele momento foi algo que nunca senti.” Sérgio Tavares Salviano, 45, arquitetura e memorialista do América


(Com colaboração de Alice Brito e Bruno Daniel)


GUIA MIRAI

(por O Tempo)


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