BRASIL CHEGA A 700 mil MORTES POR COVID TRÊS ANOS APÓS REGISTRO DO PRIMEIRO CASO NO PAÍS
- GUIA MIRAI
- 28 de mar. de 2023
- 8 min de leitura

Pouco mais de três anos depois do primeiro caso de Covid-19 confirmado no Brasil, o país atinge mais uma triste marca: 700 mil vidas perdidas para a doença. Dados do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) apontam que o número foi ultrapassado nesta terça-feira (28/3).
A emergência sanitária foi reconhecida como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020. No Brasil, o enfrentamento ao vírus esbarrou em posturas negacionistas do então governo federal, na desigualdade social e em uma rede de saúde com estruturas precarizadas, apesar de altamente capilarizada.
São 700.329 mortes provocadas pelo coronavírus. Apenas os Estados Unidos têm mais registros em todo o mundo, superando 1,1 milhão de óbitos. A emergência sanitária foi reconhecida como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020.
No Brasil, o enfrentamento ao vírus esbarrou em posturas negacionistas do então governo federal, na desigualdade social e em uma rede de saúde com estruturas precarizadas, apesar de altamente capilarizada. Em meio a esse quadro todo, há trajetórias de vida interrompidas pela doença. Milhares de histórias encerradas no meio do caminho. Foram bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos que morreram em decorrência do mal. O quadro foi tão dramático que é possível dizer que não há pessoa no Brasil que não perdeu um ente querido ou que conheça alguém que morreu em função da Covid-19.
Abaixo, contaremos algumas dessas histórias, relato ainda de quem atuou na linha de frente, e também tudo o que levou a pandemia a se agravar no país.
Em meio a esse quadro todo, há trajetórias de vida interrompidas pela doença. Milhares de histórias encerradas no meio do caminho. Foram bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos que morreram em decorrência do mal. O quadro foi tão dramático que é possível dizer que não há pessoa no Brasil que não perdeu um ente querido ou que conheça alguém que morreu em função da Covid-19. Abaixo, contaremos algumas dessas histórias, relato ainda de quem atuou na linha de frente, e também tudo o que levou a pandemia a se agravar no país.
Juracy e Luna
Quando a pequena Luna nasceu, em maio de 2020, o país ainda estava aprendendo a lidar com as regras da pandemia. Cidades enfrentavam lockdown, a população se acostumava a usar máscaras e evitava os abraços e apertos de mão. Foi nesse contexto que a professora universitária Fernanda Natasha, de 35 anos, deu à luz sua primeira filha.
Hoje, prestes a completar três anos, a rotina é diferente. Com a vacinação acelerada, a maioria das medidas de prevenção já deixaram de ser obrigatórias. A menina agora está aprendendo sobre as relações de parentesco: avô, avó, primo, tia. Um deles, ela reconhece apenas na foto. O avô Juracy Cruz Júnior, 55, faleceu vítima da Covid-19 em novembro de 2020, seis meses depois do nascimento da neta. Empolgado com a ideia de ser avô pela primeira vez, ele não chegou a conhecer a menina. Por conta da doença, mesmo que a criança já tivesse nascido, ele nunca pôde vê-la.
“Acho que ela ainda não entende o que é a morte. O que ela percebe é que, às vezes, eu vou buscá-la na creche e tem os coleguinhas que é o vovô quem vai buscar. E ela olha com estranhamento: ‘por que ele tem e eu não tenho?'”, relata a mãe de Luna, Fernanda Natasha.
Morador de Santos (SP) e advogado, Juracy foi contaminado pela doença em outubro daquele ano. Na época, as vacinas ainda estavam em fase de testes e a população começava a flexibilizar as medidas de proteção. Ele tinha obesidade, bronquite, asma, pressão alta e outros fatores de comorbidade.
Juracy foi internado e, poucos dias depois, deu entrada na unidade de terapia intensiva (UTI) pela primeira vez. Fernanda saiu de Brasília com o marido e a filha recém-nascida rumo a Santos para ajudar a cuidar do pai.
Após apresentar uma melhora, o advogado foi liberado para voltar para o quarto. No entanto, depois de cinco dias internado, a situação voltou a se agravar.
“Ele piorou no momento em que foi para o quarto. A gente não sabe o que aconteceu, se realmente deveria ter saído da UTI, acredito que não. Depois desses cinco dias, foi intubado e ficou mais quatro ou cinco dias”, lembra a professora.
O advogado morreu aos 55 anos e deixou duas filhas, a esposa, dois irmãos e a neta. “A gente tinha uma relação muito linda. Meu pai sempre foi uma pessoa muito amorosa, generosa, acessível, incentivadora.”
“Foi muito triste porque ele estava muito empolgado com a ideia de ser avô”, narra. “Minha filha foi a primeira neta, então tinha um acolhimento muito bonito.”
Três anos depois, Fernanda avalia que os efeitos da pandemia foram além da questão de saúde. Para ela, o negacionismo e a crença de que a doença afetava apenas pessoas em grupos de risco contribuíram para o elevado número de mortes. A visão era corroborada por autoridades, inclusive o próprio presidente da República à época, Jair Bolsonaro (PL).
“Me dava uma revolta muito grande. A gente teve um processo cultural, que repercutiu em movimentos políticos de negacionismo”, pontua. “Aquela crença violenta de que só os mais fracos iriam morrer. Os idosos, ou os que tinham alguma doença, então não seria uma coisa tão grave. Isso me machucou muito.”
A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico Brasil), da qual Fernanda faz parte, elaborou um relatório com sugestões de ações de reparação e responsabilização, direcionado ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre as medidas, estão a criação de um Museu Nacional da Pandemia de Covid-19, o estabelecimento de políticas públicas de saúde mental para pessoas de luto para a Covid, e a criação de cotas em universidades e cursos técnicos para órfãos, sobreviventes e viúvas de vítimas.
“A gente conviveu com uma tragédia sem precedentes e isso merece uma atenção também sem precedentes, para lidar com todas as dimensões.”
“Trazer esse tema à pauta é permitir que a gente tenha um outro olhar para as possibilidades de desenvolvimento para o nosso país. Outras possibilidades de reconhecimento de que as vidas que foram perdidas importaram, a forma como a gente lidou com a pandemia importa, que é possível construir outras dinâmicas de convivência”, ressalta.
“Ela poderia estar viva”
O escritor Walmor Fernando, 45, também convive com o luto pela morte da mãe, a orientadora educacional Marluce Costa Gomes Parente, 67, vítima da Covid. A idosa foi uma das milhares que perderam a vida na segunda onda da doença no país, no início de 2021.
O filho acredita que a vacinação teria sido a salvação da mãe. Marluce foi diagnosticada com a doença em 6 março. No dia 3 de abril, o imunizante começou a ser aplicado para a faixa etária dela.
“Faltava tão pouco, né? Nós vimos muitos casos de pessoas que se salvaram com a primeira dose. Conheço pessoas que tomaram a primeira dose e logo depois pegaram [a doença] e foi suficiente”, diz o escritor.
Walmor lembra que sonhava com o dia em que a mãe iria ser imunizada. “Eu sonhava com isso, até planejava tirar folga no meu trabalho para acompanhá-la. Tinha uma expectativa muito grande para esse momento. E infelizmente não deu tempo.”
A internação de Marluce se deu em meio à crise de saúde pública no Distrito Federal. A demanda por atendimento era tão grande que a família teve que entrar na Justiça para conseguir acesso a um leito de UTI.
“Outra parte muito dolorosa desse processo é que nós não tínhamos contato com ela. Só íamos lá para levar material de higiene e ficávamos aguardando a ligação do médico para falar sobre a situação dela. Aquilo era um angustiante”, narra.
A educadora completou 67 anos no dia 17 de março, enquanto estava internada na UTI. No mesmo período, o quadro começou a piorar até que em 6 de abril, a família recebeu a notícia do falecimento.
“São setecentas mil vidas, mas são também as famílias que precisam de ajuda e da responsabilização. Os erros, os crimes que foram cometidos precisam ser julgados, as pessoas precisam responder”, cobra ele.
As marcas da Covid
Moradora de Brasília, Gilka da Silveira, 58 anos, se lembra muito pouco do período em que ficou internada. A artesã e culinarista foi infectada pelo vírus da Covid-19 apenas uma vez, em junho de 2020, mas se recupera até hoje.
“Foi e continua sendo muito difícil me adaptar a minha nova condição”, desabafa. Após receber algumas pessoas em sua casa, ela se lembra apenas de sentir fortes dores de cabeça e, em seguida, muita falta de ar. O teste confirmou o diagnóstico positivo para ela e para o filho mais velho.
Gilka chegou a voltar para casa, mas com a piora do quadro foi internada. Passou 50 dias na UTI, com apenas 25% da capacidade pulmonar. Depois, cerca de 100 dias ainda internada até se recuperar totalmente.
As marcas da Covid
Moradora de Brasília, Gilka da Silveira, 58 anos, se lembra muito pouco do período em que ficou internada. A artesã e culinarista foi infectada pelo vírus da Covid-19 apenas uma vez, em junho de 2020, mas se recupera até hoje.
“Foi e continua sendo muito difícil me adaptar a minha nova condição”, desabafa. Após receber algumas pessoas em sua casa, ela se lembra apenas de sentir fortes dores de cabeça e, em seguida, muita falta de ar. O teste confirmou o diagnóstico positivo para ela e para o filho mais velho.
Gilka chegou a voltar para casa, mas com a piora do quadro foi internada. Passou 50 dias na UTI, com apenas 25% da capacidade pulmonar. Depois, cerca de 100 dias ainda internada até se recuperar totalmente.
“Saí de lá sem movimento, só mexia os olhos”, recorda.
“Quando saí da UTI eu estava com todos os membros, toda a parte de nervos parada, fiquei no hospital pra voltar a ter os movimentos de deglutição, respirar direito, fiz fisioterapia para recobrar os movimentos.”
Gilka teve necroses em diferentes partes do corpo: nos dois calcanhares e nas duas panturrilhas, além de ter precisado amputar dois dedos do pé. Ficou com dificuldades para falar e respirar. Passou a apresentar problemas de memória e de concentração.
A artesã acredita que alguns tratamentos, que ela continua a fazer, continuarão para o resto da vida. Hoje, ela usa assento em gel, uma órtese na perna direita para se equilibrar e precisa do auxílio de muletas para se locomover. Continua a ter sessões de fonoaudiologia, fisioterapia neurológica e respiratória, além de praticar hidroterapia e fazer acompanhamento psicológico.
“Gostaria que fosse dado mais apoio às pessoas sequeladas da Covid-19. O que me faz continuar é lembrar que sobrevivi”, diz Gilka. “Estou aprendendo a ficar feliz com o que eu posso fazer agora, e não com que não posso mais fazer.”
Na linha de frente
Em março de 2020, Ricardo Vasserman estava prestes a iniciar um novo momento na carreira: a residência médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). O que ele enfrentou, porém, nos dois anos em que pretendia se especializar em clínica médica, o marcou para a vida inteira.
O médico, recém-formado, estava na linha de frente e atuou em todos os departamentos clínicos: pronto-socorro, enfermaria e UTI, até março de 2022. Ele recorda como tudo mudou no Hospital das Clínicas com a chegada da pandemia: “Ele se tornou um grande Covidário. Todos os departamentos foram praticamente parados, desligados, os de especialidades se tornaram de Covid, se tornaram UTIs”, conta. “Todos os médicos, independentemente da sua especialidade, passaram a atuar no front.”
“Todos os estágios foram cancelados. Eu tive que, rapidamente, aprender uma série de coisas que eu não sabia muito bem ainda, principalmente relacionadas a pacientes graves. Foi um desafio técnico muito grande, uma pressão muito grande”, relembra Ricardo.
Para o profissional de saúde, o momento mais difícil foi o pico da variante Gama, no primeiro semestre de 2021, quando a população brasileira ainda não estava amplamente vacinada. “Tivemos um aumento de casos muito rápido, sem que a gente estivesse preparado para isso. Foram dias ali em março, abril de 2021, em que tivemos muita gente morrendo na nossas mãos, poucos profissionais que de fato sabiam como lidar com pacientes graves em UTI. Foram dias muito complicados”, afirma.
Ricardo não consegue se esquecer de momentos críticos, como quando precisou entubar três pacientes em sequência, um ao lado do outro, ou correr com pacientes em ambulâncias à beira da morte.
“Passei por situações em que acabou o oxigênio da parede do hospital e a gente teve que sair correndo pra pegar os cilindros de oxigênio em outro lugar, pra pessoa não morrer com falta de ar”, recorda.
O médico ressalta como o início da vacinação contra a doença foi um divisor de águas para quem estava na linha de frente. “A gente, de maneira quase que imediata, começou a perceber uma diminuição no número dos casos graves, uma diminuição muito expressiva da doença nos prontos-socorros, nos hospitais, teve uma relação claríssima com a melhora da nossa situação”.
GUIA MIRAI por Metrópoles.
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