Pesquisa da UFMG indicou, na terceira idade, a presença do medo irracional de ficar sem o aparelho, muitas vezes usado para escapar da solidão
Após uma vida de trabalho e, em muitos casos, de sustento de uma família, seja ela numerosa ou não, muitas pessoas ficam isoladas e tentando se encontrar em um novo ritmo em meio a aposentadoria. A solidão, reforçada pelo isolamento físico durante a pandemia, tem sido um forte gatilho para que os idosos sejam vítimas da chamada nomofobia, descrita como medo irracional de ficar longe do aparelho, quase um "vício" em celular, com resultados danosos à saúde mental, como ansiedade e depressão.
A conclusão é de um estudo conduzido pela pesquisadora Renata Maria Silva Santos, no Programa de Pós-Graduação em medicina molecular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O trabalho, publicado em novembro deste ano, consistiu na revisão sistemática de 142 artigos que avaliaram os impactos de tela em diferentes faixas etárias em todo o mundo. Desses, 17 foram feitos no público da terceira idade, com a participação de cerca de 70 mil idosos.
Renata explica que dois artigos avaliaram a presença da nomofobia nos idosos. Ambos indicaram a presença da condição, que tem como sintomas ansiedade, irritabilidade e desconforto quando o celular não está disponível. Essa dependência dos dispositivos pode levar a problemas de saúde mental em um público já fragilizado. Idosos têm maior prevalência de depressão no Brasil entre todas as faixas etárias, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O que se esperava no levantamento era encontrar idosos avessos à tecnologia. Mas a questão da nomofobia foi surpreendente”, avalia a pesquisadora. Renata pontua que, com o fortalecimento das redes sociais e outras plataformas como meio de comunicação, os idosos, apesar de não pertencerem à “era digital”, se viram “obrigados a se envolver” com os celulares.
O exemplo dado pelo grupo de convívio do idoso pode ser um incentivador do uso excessivo do celular. Se ele encontra filhos e netos pouco receptivos ao diálogo e imersivos no mundo digital, é natural que também procure as telas, que podem ser usadas como uma forma de escapar da solidão. “É importante que a família abandone um pouco o celular para ficar com o idoso”, orienta a pesquisadora.
Além dos impactos para a saúde mental, o uso excessivo de telas pode causar sedentarismo. Na terceira idade, o cenário pode ser ainda mais problemático devido à perda natural da massa muscular com o envelhecimento. “Os idosos devem ser ativos para manter os músculos e evitar a dependência do cuidador. É importante que tenham atividades físicas ao ar livre”, reforça.
Tempo de tela ideal
Um dos objetivos do estudo desenvolvido pela pesquisadora é auxiliar na criação de diretrizes e políticas públicas sobre o uso saudável de telas. Desta forma, segundo explica, ainda não é possível estabelecer um limite de tela saudável, visto que as repercussões individuais devem ser respeitadas.
O modo de utilização é mais importante do que o tempo de exposição, analisa. A tela para o trabalho, por exemplo, não se mostrou tão nociva quanto para o entretenimento, na análise do estudo em todas as faixas etárias. Nos idosos, a televisão é o meio mais comum de exposição a telas e pode ser ainda mais nociva, devido à ausência de interação.
Segundo a pesquisadora, mesmo quem estava exposto a telas de interação passiva, mas mantinha alguma atividade cognitiva — ainda que simples, como tricotar — era menos propenso aos malefícios para a saúde mental, como quadros de depressão.
As redes sociais podem ser um fator de dependência associada à nomofobia, segundo avalia a pesquisadora. A publicação constante de conteúdos e os algoritmos dessas plataformas são uma combinação que gera o desejo de "consultar o celular toda hora". "Existe um termo, que é Fear of Missing Out (medo de ficar de fora, em tradução do inglês para o português), que é o receio de ser excluído". Ou seja, perder a atualização de algum assunto específico.
Celular não é vilão
Apesar dos impactos do uso excessivo de tela para a saúde mental dos idosos, o celular não pode ser apontado como vilão. O uso do aparelho pode promover benefícios, como melhora cognitiva e comunicacional. Um dos exemplos é a manutenção de laços familiares, que poderiam ser enfraquecidos devido ao distanciamento físico.
O caminho passa por "buscar estratégias que incentivem a aprendizagem para uso da tecnologia junto à população mais velha", avalia a professora Priscila Ribeiro, do departamento de Psicologia da UFMG. "Alguns benefícios incluem maior acesso à informação e possibilidade de manter-se ativo e independente em atividades que exigem cada vez mais o uso dos celulares", pontua.
Próximo de completar 85 anos, Domiro Silva pode ser encarado como um exemplo de como o celular pode ser um aliado na terceira idade. O militar reformado usa o aparelho como meio de comunicação, enquanto leva uma vida social ativa, participando, inclusive, de um grupo de dança.
"A tecnologia é assustadora, mas fomos ensinando ele a usar os aplicativos", explica a filha Madalena Silva, de 57 anos. Segundo ela, o pai acompanha, inclusive, as movimentações bancárias. "Ele sabe o que acontece, quando entra e quando sai dinheiro. Além disso, usa o celular para fazer fotos e vídeos. Também é uma pessoa bastante antenada", afirma.
A pedagoga aposentada Emília Zelia de Oliveira, de 70 anos, também garante fazer bom uso do aparelho, embora admita: "Eu não sei mais viver sem meu celular. Para tudo eu dependo dele". Ela acrescenta, no entanto, preocupação com a "vulnerabilidade digital" dos idosos.
Quando concedeu a entrevista, ela estava com o cartão de crédito bloqueado devido a uma tentativa de golpe, percebida após receber uma mensagem de compra suspeita. “Acionei a operadora bancária, que cancelou a transação. Tenho essa vivência. É importante sempre buscar a fonte e confirmar tudo”, comenta.
Vida fora das telas
Enriquecer a vida fora das telas é a melhor estratégia para lidar com as consequências da nomofobia (medo de ficar sem celular), explica a pesquisadora Renata Santos. "O que temos percebido é que essa conduta ajudou as pessoas a reduzirem problemas de saúde mental", explica. Fortalecer a socialização, ao invés de "se isolar no celular", é uma medida efetiva, garante.
Atividades que promovam interação social, como participar de grupos, e praticar exercícios físicos adaptados às necessidades individuais são importantes para promover o bem-estar físico e mental. “A conclusão é que não basta limitar o tempo de tela, mas também enriquecer o tempo fora dela, tentando manter a mente ativa", analisa.
A professora Priscila Ribeiro acrescenta "a oferta de atividades de interação social, como grupos de idosos" pode promover "mudanças de hábito de pessoas mais velhas que, diante da ausência de uma rede de pessoas próximas, podem buscar atividades" em telas, como o celular e a televisão.
Políticas públicas
Neste ano, o Ministério da Saúde lançou o Guia de Cuidados para a Pessoa Idosa, que aborda aspectos gerais do processo de envelhecimento saudável, com informações de autocuidado, vacinação e promoção da saúde, além de direitos das pessoas idosas. A pasta também reforça a importância da prática de exercícios físicos na terceira idade.
O Brasil também conta com a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), que "visa recuperar, manter e promover a autonomia e a independência das pessoas idosas, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde em consonância com os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS)".
O Ministério da Saúde afirma, ainda, que incentiva que estados e municípios a "estruturar cidades e comunidades amigas das pessoas idosas, com dispositivos de lazer e serviços que promovam o autocuidado e envelhecimento saudável e ativo".
O governo de Minas Gerais afirma que trabalha na “construção da linha de cuidado da pessoa idosa e na política estadual do idoso”, com objetivo de “articular e integrar a atuação em todas as áreas de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS) em Minas Gerais".
A “promoção da saúde da pessoa idosa ocorre na atenção primária à saúde, que conta com equipes básicas que integram as unidades da Estratégia Saúde da Família, com o Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica e ainda com eMulti, que opera como equipe multiprofissional e interdisciplinar de intervenção integrada às equipes da Atenção Primária. Os profissionais do campo de saúde mental são agregados às equipes”, reforça o Governo de MG.
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) afirma que o município conta "com oito Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM) e cinco Centros de Referência em Saúde Mental - Álcool e outras Drogas (CERSAM-AD)”. Os locais funcionam 24h, todos os dias, inclusive fins de semana e feriados. Clique aqui para conferir os endereços.
Ainda integram a Rede de Atenção Psicossocial 33 residências terapêuticas, 8 Consultórios na Rua, 2 Unidades de Acolhimento Transitório Adulto e Infantojuvenil, além de 9 Centros de Convivência, e todo complexo de atendimento da atenção primária
GUIA MIRAI
(por O Tempo)
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